sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Soneto

Alma desejante

Voando sem corpo, só a alma latente,
por entre as migalhas, resíduos humanos,
vi aves, vi asas, vi anjos à frente,
só atos não vi, fontes dos meus enganos.

Inseto rasteiro pensando ser gente
ou réptil sem pernas, à terra, tão rente!
Estive, algum dia, vivendo entre insanos,
forjando demônios em gestos levianos?

Agora, sem vida, reconheço os danos
vis de uma existência fugaz, de repente,
e percebo a morte que a tudo desmente.

Quem dera engendrar para adiante mil planos,
talvez renascer em mundo diferente,
num palco sem falas, sem cenas, sem panos.


Autoria: Tova Sender



domingo, 29 de novembro de 2015

Ensaio sobre a velhice...



Quando eu tinha 10 anos, aluna na escola alemã em Friburgo, o diretor da escola, pastor luterano de nome Johannes Schlupp, fez 50 anos. Houve uma grande festa na escola, as turmas apresentaram jograis, corinhos e teatrinhos em homenagem ao Seu Pastor (ele era chamado assim pelos alunos). Como eu e meu irmão tocávamos instrumentos musicais, fizemos um dueto e homenageamos o Seu Pastor no palco. Bem, eu estava achando o máximo, porque eu tinha certeza de que o Seu Pastor, com 50 anos, estava à beira da morte, e como ele era uma pessoa bacana, eu estava lhe prestando uma homenagem, quase póstuma. Nas semanas e nos meses que se seguiram, o Seu Pastor continuou indo para a escola, e aí eu devo ter percebido que 50 anos não é o fim da linha...

Cinco anos depois, eu já com 15 anos, meu avô morreu aos 70. Morreu no meio de uma aula particular, na casa de um aluno. Bem, eu pensei, 70 anos, já viveu bem, tem netos grandes, trabalhou até o final, não adoeceu, teve lá as suas alegrias. achei que 70 anos era uma idade justa para se morrer.

O tempo foi passando e quando fiz 50 anos, eu estava muito bem, sem jamais esquecer a história do Seu Pastor, coitado, que sobreviveu, pelo menos, mais 30 anos depois do fato. Quanto aos 70, já percebi que não é o fim da linha, embora eu ainda não tenha chegado a esta idade...

O que quero dizer com esse Ensaio sobre a velhice, é que a velhice está sempre longe de nós. Conforme o tempo vai passando, a linha da velhice vai se deslocando, assim como a linha do horizonte para quem viaja de navio.

Tudo isso para contar que, antes que o tempo passe e enquanto sou eternamente jovem, comecei meu curso de desenho e pintura...    



 


segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Balança...




No dia 23 de setembro começará o signo de Libra, também referido como Balança. Não é mera coincidência que esse seja justamente o período do Ano Novo, Rosh Hashaná e Iom Kipur, um tempo em que todos devemos fazer um balanço da nossa estada por aqui, pesando entre o que foi e o que não foi, o que será e o que deveria ter sido, o que deveria ter sido e de fato foi ou não foi. Um balanço do ano que passou, um balanço da vida, das ações, das reações e das relações, da postura e da atitude, do eu e do outro, do eu com o outro e do outro comigo... Pausa.

Este ano que entra é 5776, ano embolísmico, com treze meses; tipo o ano bissexto que tem um dia a mais, o ano embolísmico tem um mês a mais para se colocar de volta dentro das estações do ano determinadas pelo sol, já que os meses do calendário judaico são determinados pela lua, e com isso, o ano lunar tem dez dias a menos que o ano solar. Isso provoca uma defasagem de um mês em relação ao sol a cada três anos, aproximadamente, de forma que, a cada dezenove anos, sete são embolísmicos, isto é, com treze meses... Pausa.

Essa reposição de trinta dias para voltar às estações do ano se dá pela relação das datas comemorativas com a natureza e a agricultura. Cada data comemorativa tem um paralelo com a terra, seja plantio, colheita, floração, início das chuvas, fim das chuvas e assim por diante... Pausa.

Este ano, dentro da minha reflexão de Ano Novo e de Balança, me reporto a três anos atrás, quando recebi um duro golpe, na verdade, uma facada na alma. Há exatos três anos, em setembro de 2012, eu chorei o choro dos que "se dão conta", cai o pano, realizam, percebem, "a ficha caiu", a coisa tá feia. Um choro alto, mas que veio lá das profundezas, na presença de quatro testemunhas. E olha que não estou falando na metáfora, mas no literal do literal do pé da letra. Aquilo não foi um choro. Aquilo foi um guincho inarticulado, na forma mais primitiva e instintiva do ser humano. E então, eu saí como Lot fugindo da destruição de Sodoma e Gomorra: sem olhar para trás. E isso não sai da minha lembrança: sem olhar para trás... Pausa.

Hoje, passados três anos, já consigo falar sobre isso e perceber que construí uma fortaleza com as pedras que jogaram em mim. Sei que essa imagem é muito batida e recorrente, mas não encontro exemplo melhor. A não ser em Salmos 126, 5 e 6. As lágrimas se transformaram em cânticos de alegria, e eu posso entender o esquema das coisas. Finalmente, posso. Olhando sempre para a frente. Sem olhar para trás. Sem olhar para trás. Sem olhar para trás. Ponto final.


Que sejamos todos inscritos no Livro da Vida.



quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Eternizando lembranças (Hesped para Laks)




Quero me lembrar do Sr Laks nas conversas que tivemos com frequência na minha casa para a preparação do livro O Sobrevivente.

Quero me lembrar dos relatos que ele não fazia nas suas palestras, mas que fez somente a mim, quando ele podia chorar.

Quero me lembrar do poema que o Sr Laks escreveu aos onze anos de idade e o recitou de cor, mesmo passados 60 anos.

Quero me lembrar da canção que ele e as outras crianças cantavam no gueto com o professor de Talmud e que, afinal, das palavras dessa canção o Sr Laks extraiu e praticou as virtudes citadas.

Quero me lembrar que ninguém é imortal, e que eu devia ter aproveitado mais o tempo com ele, ouvir a sua sabedoria, saber da sua dura convivência com as lembranças mais atormentadoras, e no entanto, sem desistir de levar sua mensagem adiante.

Quero me lembrar que o Sr Laks talvez gostasse de ouvir, hoje, aqui, a canção que o inspirou durante os anos terríveis, e o embalou, como também as outras crianças do gueto:

Nós, crianças, rogamos,
nosso Deus, Criador do mundo:
conceda-nos uma vida delicada e pura
e cultive em nós, a bondade.

Sr Laks, obrigada por ter-nos ensinado tanto em tão pouco tempo.

Descanse em Paz.


quinta-feira, 23 de julho de 2015

Entre dois amores...





Querido pai...

Você já deve estar nas alturas das alturas, por sua leveza. A leveza do corpo, já que nunca passou dos 60 quilos, e a leveza da alma, já que a sua bondade era tanta que chegava a ser visível, a sua bondade se materializava.

Hoje escolhi para você as imagens da estação de trem de suas duas cidades queridas: Ostrowiec, na Polônia, e Nova Friburgo, logo ali. A estação ferroviária de Ostrowiec foi a última paisagem que você viu ao sair da cidade, em 1939, rumo ao Brasil. A estação de Friburgo foi a primeira construção que você viu ao chegar na cidade, em 1953. Pensando bem, as duas estações têm algumas semelhanças; será que foi isso que atraiu você para lá? Ou foi o clima frio? Será que você queria construir uma nova Ostrowiec? Lembro-me que quando você falava da sua cidade natal, você dizia "In der heim", traduzindo, "lá em casa".

Hoje você faria 95 anos. Quero homenageá-lo mencionando algumas coisas que você gostava. Um pé-de-valsa, como se diz, certamente você foi o primeiro professor de dança-de-salão no Brasil, nos anos 40, ou até mesmo, no mundo. Inaugurou a profissão, embora você fosse voluntário nessa atividade. Dançava tango melhor do que Al Pacino. Ouvia Carlos Gardel mais do que qualquer portenho.

Não dá para mencionar tudo, vou deixar outras lembranças para o seu níver 9.6.

Por enquanto, quero lhe agradecer por ter sido meu pai, por ter me ensinado a gostar de música, por ter sido tão bondoso, tão puro, afetivo, otimista, o gosto pela vida, os biribas, atravessar a piscina nadando embaixo d'água depois dos 80,.. uma lista sem fim.

Parabéns, pai, pelos 95. Parabéns por ser tão amado.

 

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Parente da terra...




Eu era criança e minha tia me contou que quando a mãe dela morreu - minha tia tinha apenas 14 anos ao ficar órfã de mãe - ela passou a se sentir parente da terra. Ela viu a mãe ser enterrada, e assim, sentiu uma fusão muito grande com a terra, e como ela se expressou muito bem, passou a se sentir parente da terra. Isso nunca saiu da minha lembrança, mas a minha proximidade com esse relato era meramente poética. Achei bonita a ilustração usada pela minha tia, um lindo poema para expressar seu sentimento de amor e de saudade.

O tempo passou, minha tia se foi, meu pai se foi, minha mãe se foi, e somente cinco décadas depois daquele fato vivenciado em criança e após muitas perdas, pude entender na minha própria essência, corpo e alma o que minha tia sentiu aos 14 anos. Hoje eu sei que a descrição utilizada não foi uma figura de linguagem, não foi um recurso literário, mas a própria constatação da realidade no sentido literal da coisa.

Sou parente da terra porque com a terra compartilho pessoas queridas, meu pai e minha mãe, minha mãe querida que hoje completaria 85 anos.

Parabéns, mãe! Se eu soubesse que iria doer tanto, eu teria feito muitas coisas de forma diferente !!!    

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Escrito nas estrelas ?



Hoje fui à aula de yoga em outro horário.  Como o esquema de frequência é livre, neste novo horário eu já conhecia algumas pessoas e outras, não. De repente, enquanto eu alongava, uma pessoa, que logo em seguida fiquei sabendo ser uma das instrutoras, se aproximou de mim e disse que eu fiz o mapa astral dela há uns vinte anos. Disse que eu era "fera" e que havia acertado tudinho, tanto, que ela transcreveu a gravação e guarda até hoje. Percebendo que eu não me lembrava de nada, ela disse que traria a transcrição na próxima aula e que eu, certamente, reconheceria o meu estilo de falar. A moça começou a dar detalhes do local em que a consulta ocorreu, tudo muito familiar. De fato, estudei astrologia e passei por esses lugares, mas não me lembro de ter feito mapa astral. Fiz, sim, algumas tentativas como estágio, mas não gravei nada. A moça foi tão gentil, ela, que é fisioterapeuta, instrutora de yoga e trabalha com astrologia védica, que afirmou ser eu a melhor astróloga que trabalha com a astrologia ocidental. Inclusive, deve ter indicado meu nome algumas vezes. Quando eu disse que não era eu e que eu não sou astróloga, ela disse, é você, sim, vi seu nome na ficha e não existem duas pessoas com o seu nome. Se você não faz mais astrologia, deveria fazer, porque você é "fera" nisso. Fiquei feliz. Ganhei um presente assim, logo de manhã. Agora, preciso ver a transcrição e reconhecer o meu estilo. Quem sabe?      

domingo, 19 de abril de 2015

Indicação...



Bem na semana de Iom Hashoá, A Chave da Sarah apareceu na telinha diante de mim. É um filme imperdível. Não li o livro e não posso julgar entre os dois, porque em geral os filmes não acompanham a qualidade dos livros que encenam. Neste caso, achei o  filme muito bom, a história perfeitamente verossímil, o que nos faz perguntar mais uma vez... Por quê ? Qual o sentido desse ódio e dessa intolerância ?

Recomendo que vejam, aproveitando a energia da semana que favorece uma reflexão sobre a barbárie que se deu na Segunda Guerra.

Disponível em Netflix ou na Paradise Vídeo da Figueiredo.

terça-feira, 24 de março de 2015

O primeiro Pessach sem Ela...








Quase dois meses após a morte da minha mãe, comecei os preparativos para o Pessach. Foi de leve, com uma atividade bastante básica na cozinha, na verdade, o pré do preparo final de uma guarnição para a ceia, uma das quase dez travessas que vão à mesa na noite mágica em que saímos do Egito para a liberdade. Este pré culinário, eu nunca havia feito. Minha mãe fazia para mim, ou então, eu comprava pronto. Mas este ano resolvi aprender. Foram duas tentativas. Na primeira, que me tomou toda a manhã de um belo dia, a produção foi parar no lixo. A segunda tentativa foi hoje.

A prática aparentava ser simples: levar ao forno pedacinhos de matzá misturados no ovo batido até que ficassem secos, a ponto de serem cozidos no dia da ceia sem se desmancharem. Guardo na lembrança a imagem da minha mãe ocupada assando os caquinhos no ovo e a lembrança do som que eles produziam ao serem revirados no tabuleiro para que não grudassem. Isso se repetia a cada ano, e eu jamais poderia imaginar o quanto esse ato tão prosaico continha tanto significado.

Lá fui eu na minha segunda tentativa, desta vez, acompanhada de uma receita adicional com instruções mais precisas para que o resultado não fracassasse como na primeira vez. E foi assim que na intuição, na observação e na imaginação, eu passei horas assando os meus cacos, coisa que a minha mãe fazia em questão de uma hora. Hoje, se eu fosse relatar as virtudes da minha mãe, eu não falaria dos seus atributos de generosidade e bondade, mas sim dessa ação que ela realizava com tanta maestria.

A segunda receita dizia: secar ao sol. E foi o que fiz. Após longo tempo de forno, deixei meus cacos dourados expostos ao opaco sol de outono. Pareciam piritas cintilantes. Pontinhos de luz. Pela primeira vez, depois de tantos períodos de Pessach, hoje eu vi a possibilidade de uma ação tão banal conter tanta santidade.

Se eu fosse cantar o Daieinu para a minha mãe, eu começaria assim: "Se você tivesse feito só o ferfel, Daieinu, já nos bastaria."

Mãe, esse pré ferfel que fiz hoje, é em sua homenagem.      

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Forma e conteúdo... em tudo

    http://lounge.obviousmag.org/random_track/2012/01/poesia-visual.html


Como todos os poetas, também tive a minha fase dos sonetos. Sou poeta amadora. Amadora porque não é a minha atividade principal e nunca publiquei meus poemas, a não ser dois ou três contemplados em prêmios literários. Poeta porque esta forma tem sido adotada no masculino e no feminino, deixando o termo poetisa no passado.

O soneto é uma construção literária com algumas condições que fazem deste gênero um desafio para o autor. Componentes do soneto são o número de versos, a métrica, a rima e a sonoridade. São limitações bastante desafiadoras para conter o quinto e principal componente que é a inspiração, o desejo, o impulso, o tema, e tudo o que está dentro do poeta no instante de criação.

Enfim, o soneto é uma criação literária que conjuga os componentes externos e objetivos ligados à forma, com os componentes internos e subjetivos referentes ao conteúdo. Forma e conteúdo são condições para a existência em geral. O texto está inserido no contexto. O contexto contém o texto. O que surgiu antes: o texto ou o contexto ? Essa questão vai ficar para uma próxima vez.

Por enquanto, vou reproduzindo aqui alguns dos meus sonetos, dos meus poemas não-sonetos, e também algumas reflexões que me ocupam, bem como certos resultados de pesquisa em que estou empenhada justamente agora.

Alguns textos serão acompanhados de um breve contexto, outros, não.

A seguir...

  

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Por falar em Kafka...



 A história de Kafka e a menina que perdeu sua boneca em Berlim, segundo May Benatar:
“Franz Kafka, conta-se, certa vez encontrou uma menininha no parque onde ele caminhava diariamente. Ela estava chorando. Havia perdido sua boneca e estava desolada. Kafka ofereceu ajuda para procurar a boneca e combinou um encontro com a menina no dia seguinte no mesmo lugar. Incapaz de encontrar a boneca, ele escreveu uma carta como se fosse a boneca e leu para a garotinha quando se encontraram. ‘Por favor, não se lamente por mim, parti numa viagem para ver o mundo. Escrevo para você das minhas aventuras’. Esse foi o início de muitas cartas. Quando ele e a garotinha se encontravam, ele lia essas cartas compostas cuidadosamente com as aventuras imaginadas da amada boneca. A garotinha se confortava. Quando os encontros chegaram ao fim, Kafka presenteou a menina com uma boneca. Era obviamente diferente da boneca original. Uma carta anexa explicava: ‘minhas viagens me transformaram…’. Muitos anos depois, a garota agora crescida, encontrou uma carta enfiada numa abertura escondida da querida boneca substituta. Em resumo, dizia: ‘Tudo o que você ama, você eventualmente perderá, mas no fim, o amor retornará de uma forma diferente’.”    


sábado, 7 de fevereiro de 2015

Inspirado no provérbio "O homem planeja e Deus ri"





Deus ilusão

Deus diz: Põe!

O homem põe e Deus dispõe.

Deus diz: Conta!

O homem conta e Deus desconta.

Deus diz: Faz!

O homem faz e Deus desfaz.

Deus diz: Espera!

O homem espera e Deus desespera.

Desespera, espera, era...

Autoria Tova Sender em algum tempo, e que faz sentido agora.





segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A raposa amiga

"O pequeno príncipe" e toda a obra de Saint Exupéry são domínio público a partir de 2015.

Para comemorar, posto aqui a mensagem da raposa, ao mesmo tempo em que presto homenagem ao nosso grupo de estudos do Sefer Ietsirá.



domingo, 4 de janeiro de 2015

"Quando a Morte conta uma história..."



Acabei de assistir ao filme "A menina que roubava livros", um filme singelo que fala da estupidez da guerra. Singelo no sentido de conter uma narrativa pura, apontando o contraste entre o bem e o mal de forma espontânea. Lembrei-me de coisas e fatos que eu já ia esquecendo... da minha própria infância e das minhas próprias vivências. A dedicatória de Max a Liesel no presente que lhe oferece no Natal, um caderno em branco, é simplesmente "escreva" em hebraico. Foi o impulso que transformou a menina que roubava livros em escritora. Transcrevo abaixo como aparece no filme:

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